LOJA UNIÃO AÇORIANA
Um testemunho da atividade maçónica em Ponta Delgada na década de 1830
Parte do arquivo da Loja maçónica “União Açoriana”, composto por documentação escrita e insígnias/joias cerimoniais, deu entrada na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada em 2005, após ser adquirido num Leilão em Lisboa, cujo catálogo foi publicado pelo Livreiro Pedro de Azevedo[1].
Esta Loja ergueu colunas – para empregar a terminologia maçónica – em Ponta Delgada, pouco antes do Exército Libertador partir dos Açores rumo à praia do Mindelo em Junho de 1832. Foi “a primeira que os liberais constituíram em território nacional conquistado ao absolutismo [e] na numeração de 1840 do Grande Oriente Lusitano recebeu o primeiro lugar.”[2]
O seu núcleo dirigente inicial era composto por homens fiéis a D. Pedro e próximos de José da Silva Carvalho, ministro do Governo da Regência, merecendo destaque a figura do Secretário da Loja, José Joaquim de Almeida Moura Coutinho (1801-1861), o qual após ser ferido em combate no cerco do Porto é nomeado Juiz da Relação dos Açores (junho 1833), fixando então residência em Ponta Delgada. Moura Coutinho, que adotou o nome maçónico de Licurgo, foi o grande dinamizador da Loja “União Açoriana” nos seus primeiros cinco anos de existência. Decretou a criação do selo e timbre que a identificavam[3], reproduzidos no final de alguns documentos[4], e impulsionou o recrutamento de homens da terra para o seu seio, pois considerava “urgente e indispensável a admissão de todas as autoridades e pessoas desta ilha que, pela sua honra, carácter, virtudes e representação, pudessem concorrer a aumentar a nossa força moral.”[5]
Efetivamente, logo no primeiro semestre de 1833, um número significativo de figuras proeminentes da sociedade local é admitido na Loja, entre as quais cabe salientar Duarte Borges da Câmara Medeiros, que aí recebeu a sua iniciação maçónica antes de ser eleito para a Câmara dos Deputados no ano seguinte. Do conjunto de iniciativas levadas a cabo neste período, sublinhe-se a proposta feita em novembro de 1834 pelo médico-cirurgião José de Almeida e Silva no sentido dos membros da Loja adquirirem, “uma imprensa adequada às precisões da terra [para] instituir um periódico político, agrónomo e moral, em que se proponham os meios de melhorar a agricultura, e se sustentem as verdadeiras doutrinas liberais e cristãs.”[6]
Foi neste prelo que se imprimiu o Constitucional Michaelense[7], um dos primeiros periódicos dados à estampa em Ponta Delgada (7 setembro 1835), surgido na esteira do Açoriano Oriental (7 abril 1835), para cujo aparecimento José de Almeida e Silva já tinha alertado os seus correligionários – “Havendo bem fundada presunção de que os membros que compõem a Loja 2 de Agosto[8], existente ao Oriente desta cidade, pretendem pôr uma imprensa, para o que já́ têm uma boa quantidade de tipos que pertenceram, ou ainda pertencem, ao médico Borralho.”[9]
A introdução da imprensa, bem como a formação de partidos políticos – Cartista e Setembrista – que representavam as diferentes tendências no campo liberal micaelense, são indissociáveis da dinâmica criada pela adversidade entre estas duas Lojas maçónicas ao longo da década de 1830[10]. Com o regresso de Moura Coutinho a Lisboa em 1839, as atividades da Loja “União Açoriana” diminuíram significativamente, agora entregues à direção de Duarte Borges da Câmara Medeiros, agraciado com o título de Visconde da Praia em 1845 e chefe do partido Cartista na ilha de S. Miguel.
Esta poderá ser a razão pela qual o conjunto documental terá ficado na posse da família Praia e Monforte, constituindo, atualmente, um subfundo do Arquivo Praia e Monforte, à guarda da BPARPD, cuja descrição pode ser consultada em https://arquivos.azores.gov.pt/details?id=1014753.
[1] Vd. Biblioteca dos Marqueses da Praia e Monforte. Lisboa: Pedro de Azevedo Leiloeiro – Livreiro. 2004, pp. 91-92, lote nº 595.
[2] Cf. A.H. Oliveira Marques. Dicionário de Maçonaria Portuguesa, vol. II, col. 1452.
[3] Vd. BPARPD. Arquivo Praia e Monforte – Loja União Açoriana, cx. B, doc. 1-8.
[4] Cf. Diploma nomeando a comissão encarregue da instalação da Loja Amor da Liberdade, na Horta (BPARPD. APM – LUA, cx. B, doc. 1-12).
[5] Cf. Actas das Sessões da Loja União Açoriana (1833- 1840), fl. 13 (BPARPD. APM – LUA, cx. A, n.º 2).
[6] Vd. BPARPD. APM – LUA, cx. B, doc. 3-37.
[7] O Constitucional Michaelense. Nº 0 (7 set. 1835) – Nº 13 (17 dez. 1835). Ponta Delgada: Imprensa do Constitucional (rua dos Mercadores, 76). Editor José Maria da Silva.
[8] A Loja 2 de Agosto (designação que se reportava à data do combate da Ladeira da Velha), organizada em torno de Manuel Medeiros Albuquerque, reunia as principais figuras do futuro partido Setembrista.
[9] Cf. BPARPD. APM – LUA, cx. B, doc. 3-46.
[10] Vd. Francisco Maria Supico. “História da Maçonaria em S. Miguel”. In: Escavações, vol. III. Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1995, pp. 814-15.