Como este ano, o país celebra 50 anos da Revolução dos Cravos – o 25 de Abril de 1974 -, que nos devolveu a liberdade de expressão, o Estado Social, o pleno direito à literacia, repondo a Democracia, começamos, agora no mês de janeiro, com um autor fundamental desse tempo de censura. Trata-se de Jorge de Sena (1919-1978), poeta, ficcionista, crítico literário, professor universitário, colaborador de diversos jornais e fundador da Associação Portuguesa de Escritores, em 1956. Em 1959, exilou-se voluntariamente no Brasil e, posteriormente, nos Estados Unidos da América, Califórnia, onde viveu até ao final da sua vida. Apesar dos vários géneros literários que a sua obra percorre, é essencialmente um poeta, conforme salienta a sua mulher, mãe dos nove filhos que tiveram e colaboradora incansável de Sena, Mécia de Sousa:
«(…) Jorge de Sena considerava-se acima de tudo poeta e como tal gostava de ser reconhecido. Lendo e relendo-lhe a obra, verificando como a poesia interferiu em tudo: no romance, na novela, dedicando o maior vulto do seu labor de ensaísta a dois poetas, Camões e Fernando Pessoa, ou traduzindo dezenas de poetas ( e na verdade também prosadores , embora estes não só nem sempre por puro prazer, sem que tal excluísse o gosto e entusiasmo de os traduzir), tudo apontaria para uma decidida preponderância poética não evidentemente justificadora, mas por certo iluminadora, dessa sua opinião de si mesmo.» (Sousa, 1995: 5).
Sinais de Fogo, cujo título inicial parece ter sido Monte Cativo, e que também reflecte a essencialidade da poesia no autor, começou a ser escrito em 1964 e está inacabado, porque Sena morreu quando estava a acabar de escrevê-lo. Foi publicado logo em 1979 e dele existem várias edições. A narrativa, escrita na primeira pessoa, aborda Portugal, entre 1936 e 1959, ou seja, em pleno Estado Novo, evidenciando o cheiro nauseabundo de Lisboa suja e decadente, a repressão e a opressão, a descoberta da sexualidade nos jovens, a prostituição, o profundo contraste entre a serenidade das praias, nomeadamente a Praia da Figueira da Foz, e o reboliço das cidades da Figueira da Foz e de Lisboa:
«O pior é que o povo estava adormecido por anos de censura, atemorizado pela polícia, receoso de perder o pão de cada dia. E quem não era povo, era funcionário público, podia ser posto na rua.» (Sena, 1995: 466)
A acção da primeira e da quinta parte decorre em Lisboa, enquanto todas as outras têm lugar na Figueira da Foz, para onde um jovem estudante universitário passa o verão com os tios e os amigos, conhecendo ainda dois espanhoís – registo da guerra civil em Espanha (1936-1939), á qual seguiu-se a ditadura de Franco. A situação do país devolve uma solidão imensa a esta personagem principal que foge da confusão da cidade e da opressão para o silêncio das praias e para a contemplação do mar:
«Apetecia-me fugir. Para onde e porquê? E, de repente, ouvi dentro da minha cabeça uma frase: “Sinais de fogo as almas se despedem, tranquilas e caladas, destas cinzas frias.” Olhei em volta. De onde viera aquilo? Quem me dissera aquilo? Que sentido tinha aquela frase? Tentei repeti-la para mim mesmo: “Sinais de fogo… Mas esquecera-me do resto. (…). Tirei um papel do bolso, e escrevi. “Sinais de fogo, os homens se despedem, lançando ao mar os barcos desta vida.”. Reli o que escrevera. E depois? Olhei o mar que escurecia, com manchas claras que ondulavam largas. …» (Sena, 1995: 121)
Uma excelente leitura, que pode ser complementada, por exemplo, com os poemas, até então inéditos, e que Sena reuniu em 40 anos de servidão (Sena, 1989), depois de já ter publicado outros volumes com a sua poesia.
Disponíveis para empréstimo domiciliário
SENA, Jorge de – Sinais de fogo. 6ª ed. Lisboa: Asa Literatura, 1995.
EMP 82(469)-31 SEN/sin
SENA, Jorge de – 40 anos de servidão. Lisboa: Edições 70, (imp. 1989).
EMP 82(469)-1 SEN/qua
Texto: AA/BPARPDL