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Destaque do mês – Setembro

           Este mês, trazemos uma das vozes mais proeminentes da literatura actual, a escritora franco-marroquina Leïla Slimani, que há quatro anos vive em Portugal. Nascida em Rabat no ano de 1981, aos 17 anos partiu para Paris onde estudou Ciências Políticas. Antes de dedicar-se exclusivamente à escrita, a sua profissão enquanto jornalista viabilizou-lhe o contacto com a guerra e as mais variadas formas de violência que traria posteriormente para os seus livros. Em 2016, recebeu o Prémio Goncourt com Canção Doce, seguindo-se o Prémio Madame Fígaro com O País dos Outros, o primeiro de três romances baseados na história pessoal da sua família.

             Fruto de uma biografia pessoal intercultural, Slimani é uma escritora que consegue juntar numa ficção diversas etnias, diversas culturas e religiões, diversos hábitos e costumes, sublinhando o que realmente cada um de nós é: parte integrante de um todo diverso multicolor. Eis a riqueza do nosso mundo individual e colectivo.

      Em O Perfume da Flores à Noite (EMP 82(64)-31 SLI/per), um livro de ensaio, Slimani narra a experiência vivida num museu de Veneza. Conforme escreve,

 «Não foi o museu que me convenceu. Embora a proposta de Alina fosse mais do que aliciante: dormir na Punta della Dogana, um monumento único de Veneza transformado em museu de arte contemporânea. (…). O que me agradou na proposta de Alina foi a ideia de estar fechada. De ninguém poder chegar até mim e de o mundo exterior me ser inacessível. De estar sozinha num lugar donde não poderia sair e onde ninguém poderia entrar. Uma fantasia de romancista, sem dúvida. Todos nós sonhamos com a clausura, com um quarto só seu, onde seriamos a um tempo os presos e os carcereiros. Em todos os diários íntimos, em todas as correspondências de escritores que li transparecia esse desejo de silêncio, este sonho de um isolamento propício à criação.» (Slimani, 2022: 22-23)

      E é, sem dúvida, neste ambiente de reclusão literária, com o silêncio da noite como fundo e com o perfume das flores a sussurrarem o inconsciente que Slimani nos fala no fantástico processo da escrita, afirmando que realmente «O que não dizemos pertence-nos sempre. Escrever é jogar com o silêncio, é dizer, de maneira indirecta, segredos que na vida seriam indizíveis. A escrita é uma arte de contenção.» (Slimani, 2022: 289)

       Como seria inevitável, a noite passada no museu devolve memórias e oferece a imaginação própria do confinamento, proporcionando o regresso aos tempos vividos em Rabat e da importância da religião e da cultura em Marrocos, à memória do pai e à observação triste de Veneza nos dias de hoje a partir das janelas do museu – «Contemplá-la é contemplar uma agonia. Pela janela entrevejo as águas que em breve a engolirão.» (P. 87)

     Uma lição imensa sobre o respeito pela autodeterminação dos povos é também o que nos oferece este magnífico livro, escrito na primeira pessoa: não esqueçamos que, de 1912 a 1956, a França colonizou Marrocos, sem dó nem piedade:

    «Compreendi que a dominação colonial molda não só os espíritos, mas também os corpos, que constrange e encarcera. O dominado não ousa mexer-se, rebelar-se, perder as estribeiras ou sair do seu bairro, exprimir-se.» (P. 125)

Slimani é de leitura indispensável. Este livro que hoje vos trazemos devolve-nos a oportunidade de refletirmos sobre as grandes questões do nosso tempo.

 

Direitos de autor do texto

ÂDA/BPARPDL

 

Disponível para empréstimo domiciliário

SLIMANI, LeïlaO perfume das flores à noite. 1.ª ed. Lisboa: Alfaguara, 2022.

BPARPD EMP 82(64)-31 SLI/per