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A reportagem fotográfica do temporal de 1894 pertencente a René Masset

Na tarde de sexta-feira, dia 7 de dezembro de 1894, os barómetros desceram acentuadamente na ilha de São Miguel e o vento aumentou de intensidade, soprando do quadrante sul-sudoeste. O temporal chegou pela uma hora da manhã do dia 8 de dezembro.

No amanhecer de sábado os habitantes de Ponta Delgada depararam-se com um cenário de desolação, visível em toda a costa sul da ilha de São Miguel e, em particular, na doca de Ponta Delgada, com a destruição de cerca de 180 metros do quebra-mar e danos consideráveis no farol, que deixou de funcionar. Alguns armazéns da Casa Bensaúde ficaram completamente destruídos, tendo acontecido o mesmo a trinta carros de transporte de pedra para a obra do molhe. Diversos guindastes foram arrojados ao mar, incluindo o Titan – adquirido em 1890, por mais de 100 contos de réis – que, assente na parte da muralha destruída, tombou sobre a doca flutuante, afundando-a. O patacho alemão Adelheid, que se encontrava de quarentena no porto, rebentou as amarras, sendo arrastado até às barrocas do mar junto ao castelo de São Pedro, onde se desfez em pedaços, com perda de vidas humanas.

No Diário dos Açores de 14 de dezembro é transcrita uma notícia publicada no Correio Micaelense, onde é referido, em jeito de balanço: E quanto a prejuízos efetuados nas obras e seu material de serviços, podemos dizer que atrasaram aquelas ¼ de século e agravaram estes com mais uns 500 contos de réis de despesas[1]. A principal causa apontada para a falência do molhe foi (…) não a má construção da muralha, como alguns supuseram, mas o abandono em que os governos sempre deixaram a rampa de pedra solta que forma o quebra-mar de defesa dessa muralha. No dia em que uma seção das obras da doca era dada por completa, devia ali começar um trabalho de conservação que nunca houve apesar, digamos tudo, de ser constantemente pedido por quem tem fiscalizado ou inspecionado aquelas obras[2].

Um temporal de proporções idênticas atingiu a mesma ilha, na noite de 25 para 26 de dezembro de 1996, com ventos de sudoeste a atingir 160 km/h a rajada e a ondulação a galgar o molhe, o que provocou novamente uma grande aflição na baía da doca de Ponta Delgada. Para evitar o destino do patacho alemão em 1894, os navios Vitorino Nemésio e Frota Argentina conseguiram sair para alto mar, em manobra arriscada, enquanto outros, impossibilitados de tentar a fuga para alto mar, ao quebrarem-se as amarras, foram empurrados contra o molhe de proteção do Clube Naval.

Entre um e outro acontecimento, que fustigaram a doca de Ponta Delgada, dista pouco mais de um século. Mas, se em 1996 a cobertura jornalística se encontra profusamente ilustrada por imagens televisivas e na imprensa, o registo fotográfico da tempestade do ano de 1894 é bem mais parco.

Embora na viragem para o século XX se assista à difusão da fotografia, a sua presença na imprensa não era ainda usual e, por isso, as imagens que existem do temporal de 7 para 8 de dezembro de 1894 assumem uma importante relevância, permitindo documentar visualmente a destruição do molhe e do cais de Ponta Delgada.

Entre os poucos registos fotográficos dos estragos causados pelo temporal encontra-se um conjunto de cianotipias pertencentes a René Masset, hoje à guarda da BPARPD.

René Masset (1855 – 1909) foi um engenheiro suíço que esteve na ilha da Madeira, entre 1885 e 1895, para dirigir a construção do cais do Funchal e do molhe da Pontinha, obra pela qual viria a ser agraciado com a Cruz da Ordem de Cristo. Durante o período em que aí permaneceu, realizou várias fotografias dos locais que visitou e de pessoas que conheceu. Passados muitos anos após a sua morte, a neta, Catherine Oesterlé-Masset, doou, entre 2007 e 2009, cerca de duas centenas de provas fotográficas ao Governo Regional da Madeira[3]. Da mesma forma, enviou para a BPARPD um conjunto de fotografias que retratam São Miguel, provavelmente realizadas em finais do século XIX.

Tal como se verifica quanto ao acervo doado à Madeira, também no Arquivo Regional de Ponta Delgada se procedeu à descrição das provas fotográficas que pertenceram a René Masset. Estas encontram-se descritas individualmente, através do emprego de um vocabulário controlado, em que se privilegiou o uso de termos simples, na forma de substantivo, no singular e masculino, procurando-se ir ao encontro dos princípios orientadores das normas de indexação, cujo principal intuito é o de facilitar a recuperação da informação no momento da pesquisa. A estas descrições encontram-se associados os objetos digitais, podendo ser consultados no catálogo em linha dos arquivos regionais dos Açores[4].

O conjunto de provas entregue à guarda da BPARPD é constituído por dezassete espécies fotográficas, que não se encontram datadas, dez em papel de revelação direto (monocromático, sépia), de paisagens de São Miguel, identificadas no verso por René Masset, e sete cianotipias, que documentam a tempestade de 1894 mas não se encontram legendadas.

Este último processo, facilmente reconhecível pela sua cor azul, é, desde finais do século XIX, utilizado como alternativo e artístico, sobretudo por fotógrafos amadores, e é ainda hoje usado para explicar os rudimentos da fotografia, colocando a sua presença no conjunto de provas de René Massetalgumas questões de difícil resposta.

Desconhece-se quando terá René Masset estado em Ponta Delgada, pois não existe qualquer referência à sua passagem pela ilha. O facto de existirem dez provas fotográficas legendadas em francês, leva a supor que efetivamente visitou São Miguel, até porque o processo fotográfico é semelhante ao das provas realizadas na Madeira e sabe-se que Masset revelava as suas fotografias. Mais difícil ainda é documentar a sua presença nos Açores logo após o temporal de dezembro de 1894.

É indubitável que o acontecimento lhe pudesse suscitar interesse, até porque passara por um infortúnio semelhante na construção do porto do Funchal. René Masset chegou à ilha da Madeira em 1885 e, em 1889, as obras estavam terminadas. No entanto, a 28 de fevereiro de 1892 ocorreu um forte temporal que destruiu a muralha de proteção do porto do Funchal, o que obrigou à sua reconstrução, apenas concluída em 1895, ano em que o engenheiro regressa à Suíça.

À ausência de registos que documentem a presença de Masset em Ponta Delgada, pouco tempo depois da catástrofe atmosférica, acresce a pouca expressividade de cianotipias entre as suas provas fotográficas, existindo apenas um exemplar deste processo no conjunto doado ao Arquivo Regional da Madeira. É mesmo possível colocar a possibilidade de lhe terem sido enviadas por algum conhecido, também amante da fotografia, que tenha estado em São Miguel em finais de 1894, ou, quem sabe, mesmo, se a elas chegou por compra a algum fotógrafo local. A este propósito é de notar a notícia da imprensa micaelense, do dia 20 de dezembro seguinte, em que António José Raposo anuncia a venda de fotografias do desastre.

Apesar de serem desconhecidas as circunstâncias em que foram realizadas as sete cianotipias que documentam o temporal em Ponta Delgada, não deixam de ser um importante registo, constituindo uma das poucas reportagens fotográficas do acontecimento, que se conhecem. É, por isso um valioso, documento que estará patente, juntamente com muitas outras provas fotográficas, na exposição Reviver o passado através na fotografia, na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, a partir do dia 19 de maio.

 

[1] Cf. Diário dos Açores. 3.ª série. Ano 24 (n.º 1150) 14 dez. 1894, p. [1].

[2] Ibidem.

[3] O conjunto documental doado ao Arquivo Regional da Madeira é composto por dois álbuns fotográficos de provas em albumina, trinta e sete provas fotográficas avulsas e seis documentos gráficos que se encontram descritos na respetiva base de dados em https://arquivo-abm.madeira.gov.pt/details?id=949599.

Parte do acervo à Guarda do Arquivo Regional da Madeira foi recentemente editado em livro: Fotografias de Renné Masset (entre 1885 e 1895), Funchal, Direção Regional do Arquivo e Biblioteca da Madeira, 2022.

[4] https://arquivos.azores.gov.pt/details?id=1183312

Detalhes

Início:
1 Maio, 2023
Fim:
31 Maio, 2023
Categoria de Evento:
Site:
https://online.fliphtml5.com/owpsw/yjlk/