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KALENDA PARA O NATAL DE GIOVANNI BATTISTA LONGARINI

KALENDA PARA O NATAL DE GIOVANNI BATTISTA LONGARINI da Coleção de Manuscritos Musicais do Arquivo Regional de Ponta Delgada

 

A Coleção de Manuscritos Musicais (COL/MSM) pertence ao acervo do Arquivo Regional de Ponta Delgada. É uma Coleção factícia que agrupa manuscritos musicais de diferentes proveniências e é constituída por 13 unidades arquivísticas, nomeadamente 11 caixas com 260 documentos, alguns datados de 1790 a 1836, sendo que apenas uma ínfima parte contém datas. Grande parte dos manuscritos está em bom estado de conservação, havendo alguns já digitalizados e outros restaurados. Conseguiu-se perceber, pelo que está escrito em alguns frontispícios, que os Manuscritos Musicais provêm de três instituições de Ponta Delgada: o Convento de Santo André, o Convento de São João Evangelista e a Igreja Matriz de São Sebastião, embora muito pouca dessa documentação tenha referência ao local de proveniência.

Três manuscritos referem-se ao Convento de Santo André e, por uma pesquisa feita no Arquivo do Convento de Santo André de Ponta Delgada[1], nomeadamente no Livro de Eleições das Abadessas[2], foi possível identificar quase todas as proprietárias como sendo religiosas daquele convento. Todas as madres desempenharam funções importantes como, por exemplo, vigária do coro, mestra de capela, mestre da ordem, procuradora, porteira maior, porteira regral, rodeira e provisora. Os nomes que se destacam nas partituras são: a Madre Teresa Maria de Jesus (a mais referenciada de todas), a Madre Mariana Teresa de São José, a Madre Jerónima Vicência da Glória, a Madre Luzia Violante Doroteia, a Madre Maria Gertrudes da Natividade, e por fim, a Madre Teresa Miquelina de Santa Clara.

A obra em destaque, como documento deste mês, é a Kalenda para o Natal para Alto, violinos, trompas e baixo contínuo, cujo título formal é Kalenda do Natal / Di me / Gio Batti Longarini / Da R.ma S.ra D. Thereza Mechelina. É uma cópia manuscrita não datada, apenas com a indicação de que pertencia à Madre Teresa Miquelina de Santa Clara, agora identificada como freira professa no dito Convento de Santo André.

A Kalenda foi instituída pela Igreja Católica, como um texto de anúncio ao Natal, que deverá ser cantado ou recitado antes da Missa da noite de Natal, tradicionalmente conhecida como Missa do Galo. Esta Kalenda encontra-se dividida em dois andamentos: Octavo Kalendas (Andantino) e Nativitas Domini (Largo) e está na tonalidade de Dó Maior. Nas partes das trompas conseguimos ler a indicação de tonalidade “In C sol fa ut”, e em todas as partes indicações de dinâmicas “fr.” de forte e “p.” de piano. A parte de baixo contínuo tem duas cópias, sendo uma com caligrafia diferente das restantes partes, e em ambas as cópias a linha do baixo encontra-se cifrada. O baixo contínuo é um elemento fundamento da composição do Período Barroco. “É uma linha musical do baixo ininterrupta, que, com a sua harmonia servia de base para vozes concertantes”[3]. Normalmente era tocada por um conjunto de vários instrumentos – cravo, órgão, violoncelo, fagote, contrabaixo e viola da gamba.

Como o próprio título indica, é para ser cantada por um contralto a solo e acompanhada por dois violinos, duas trompas e pelo baixo contínuo. É muito interessante referir que estas obras eram executadas pelas freiras do dito convento, o que significava que as mesmas tocariam violinos e trompas! Citando Manuel Carlos de Brito:

Um testemunho de um visitante estrangeiro, embora datado já de 1811, demostra como essa prática instrumental – incluindo violinos, trompas e flautas – se estendia até a conventos femininos, em locais tão remotos como a Ribeira Grande, na ilha de S. Miguel dos Açores[4].

Do compositor Giovanni Battista Longarini sabemos que foi um castrato italiano[5], cujos dados biográficos são muitíssimo escassos. Cristina Fernandes menciona-o como cantor da Patriarcal de Lisboa, tendo sido contratado em 1795, que se apresentou em óperas no Teatro de São Carlos[6]. David Cranmer, refere que foi cantor no Teatro de São Carlos, na temporada de 1797/98, onde participou em duas oratórias, e no Teatro de São João, no Porto, na temporada de 1798/99[7]. Longarini tem apenas esta obra na Coleção. Até à data não se encontraram registos desta obra noutras bibliotecas ou arquivos e existem pouquíssimas obras conhecidas deste compositor, sendo que, por isso, esta partitura se torna inédita à luz da musicologia atual.

 

 

 

[1] Descrição disponível em https://arquivos.azores.gov.pt/details?id=1014724, embora ainda genérica.

[2] Livro de Eleições das Abadessas (1776-1821), f. 5 – BPARPD. Arquivo do Convento de Santo André de Ponta Delgada, lv. 193 – MON 137.

[3] Michels, U. (2007). Atlas de Música II: Do Barroco à Actualidade. Lisboa: Gradiva, p. 307.

[4] Brito, M. C. (2015). A Música Portuguesa no século XVIII. In Costa J. A. (Coord.). Olhares sobre a História da Música em Portugal (pp. 123-160). Vila do Conde: Verso da História, p. 147.

[5] Augustin, K. (2013). Os castrati e a prática vocal no espaço luso-brasileiro (1752-1822). (Tese de Doutoramento). Universidade de Aveiro, pp. 142, 272; Augustin, K. (2013). A Trajetória dos castrati nos teatros da corte de Lisboa (séc. XVIII). Revista Música e Linguagem – Vitória/ES. Vol. 1, nº 3, pp. 73-94.

[6] Fernandes, C. (2010). O sistema produtivo da Música Sacra em Portugal no final do Antigo Regime: a Capela Real e a Patriarcal entre 1750 e 1807. (Tese de Doutoramento). Universidade de Évora, p. 258.

[7] Cranmer, D. (1997). Opera in Portugal 1703-1828: a study in repertoire and its spread. (Tese de Doutoramento). University of London, p. 456.

Detalhes

Início:
6 Novembro, 2023
Fim:
30 Novembro, 2023
Categoria de Evento: