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Mostra Bibliográfica – Saramago e o poder de cada palavra

«As palavras são tudo quanto temos».
José Saramago[1]
José Saramago (1922-2010) é o «viajante» que escalou cada palavra, até sentir que cada uma delas era capaz de fazer a verdadeira História, dando voz à população anónima que a fez, ostracizada , subjugada, obrigada a carregar a insuportável e descomunal pedra de Sísifo, física e megalómana em Memorial do Convento (1982), morrendo assim, com o inferno do lume na pele, nos ossos, na claridade dos olhos, nas páginas silenciadas da vida atirada às fogueiras da Inquisição , obrigada a cumprir as prisões da PIDE ,obrigada a carregar dentro e fora do corpo a desmedida ordem de grandeza do poder político ( A Viagem do Elefante (2008) – «porque entre o latifúndio monárquico e o latifúndio republicano não se viam diferenças e as parecenças eram todas»[2] ( Levantado do Chão, 1980). A escrita de Saramago, essa «bagagem» fabulosa e perene que nos deixou, deambula entre o real e o fantástico, a utopia e a distopia, a esperança e o desencanto, a vida e a morte, a memória campestre da infância e a cidade, onde viveu maioritariamente, até escolher a serenidade e a paz de uma ilha, Lanzarote , para pensar e para escrever.
Como um pássaro que voa a toda a amplitude do horizonte que traça – e neste caso, o horizonte era o mundo, todo ele, todos e cada um dos seus habitantes e a Terra-Mãe em agonia, «Aqui o mar acaba e a terra principia». (O Ano da Morte de Ricardo Reis,1984) -, Saramago deixa uma mensagem clara à humanidade e ao seu país, à terrível solidão humana: estamos cegos (Ensaio sobre a Cegueira,1995) profundamente cegos , porque nada vemos do que realmente somos: aquele indivíduo «subalterno, subordinado, dependente, criado às ordens»[3] (Todos os Nomes, 1997) ou a reinvenção absoluta da metamorfose , de Kafka.
Não admira, pois, que o Prémio Nobel da Literatura lhe tivesse sido atribuído em 1998: os seus livros resgatam a verdadeira História e lançam um suave vento de esperança. Talvez por isso , Saramago criou uma ilha de lugar nenhum (O Conto da Ilha Desconhecida, 1997) e uma «barca mítica» para libertar a população anónima de um «Portugal embrechado, suspenso»[4] (A Jangada de Pedra, 1986). Talvez assim, talvez apenas assim, pudesse, finalmente cumprir-se a mensagem de Pessoa, ali, « onde o mar se acabou e a terra espera»[5].
Ângela de Almeida/BPARPDL
[1] SARAMAGO, José (2002). O Homem Duplicado. Lisboa, Caminho: 314.
[2] SARAMAGO, José (1980, 1ªed.). Levantado do chão. Lisboa: Caminho (2000, 15ª ed): 34.
[3] SARAMAGO, José (1997). Todos os Nomes. Lisboa: Caminho: 239.
[4] SARAMAGO, José (1986) A Jangada de Pedra. Lisboa: Caminho: 95.
[5] SARAMAGO, José (1984). O Ano da Morte de Ricardo Reis. Lisboa: Caminho: 407.
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