Benjamin Ferin
Um belga em Ponta Delgada
Benjamin Ferin (Lisboa, Lapa, 18 de julho de 1823 – Ponta Delgada, São Pedro, 17 de novembro de 1894), que manteve cidadania belga, apesar de nascido em Lisboa, era filho de Jean Baptiste Joseph Ferin, belga, e de Marie Catherine Masson, francesa, mas casados em Lisboa (1). Veio para São Miguel, onde fundou, em Ponta Delgada, um estabelecimento de livraria, papelaria, quinquilharias e outros objetos, provavelmente na década de 1850, uma vez que o seu estabelecimento aparece registado no Tribunal Comercial de Ponta Delgada, em 1859. (2)
Na seleção de documentos para a rubrica deste mês, destacamos uma fatura da loja de Benjamin Ferin, identificada pelo timbre, que nos permite perceber que tipo de produtos nela se podiam encontrar. Trata-se de uma das faturas que se conservam no arquivo da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, respeitante à assinatura do “Jornal de agricultura prática”, para o ano de 1882.
No fundo documental do comerciante belga existem panfletos de publicidade de obras literárias que se podiam adquirir no seu estabelecimento, como é o caso da Viagem à roda da Parvónia, da autoria de Gil Vaz (aliás, pseudónimo de Guilherme de Azevedo e Guerra Junqueiro). (3) O panfleto, que também agora aqui incluímos, está anotado, no verso, provavelmente por Benjamin Ferin, com os preços e condições de compra da obra.
Por volta de 1889, começaram a surgir anúncios na imprensa, para liquidação e trespasse da loja, que viria a ser comprada por Francisco José França, em 1895. Para além deste estabelecimento, Benjamin Ferin também explorava uma fábrica de telha e tijolo na Calheta, possuía ações na Empresa Insulana de Navegação, na Companhia de Seguros Açoreana e na Sociedade Teatral Micaelense, de que foi tesoureiro entre os anos de 1873 a 1875. Detinha capital numa sociedade particular de cultura de ananás e era sócio de Manuel Chalupa e de George Hayes, num negócio de venda de pozolana, através da qual dividiam os custos de dois barcos de carregação. Fez parte, ainda, da direção da Associação Comercial de Ponta Delgada nos anos de 1864, 1875 e 1884-1888, da qual se tornara membro em 1860.
A somar a toda esta profusa atividade no meio micaelense, foi nomeado vice-cônsul nesta ilha, por Leopoldo II, rei dos Belgas. São provas disso a carta-patente de 17 de fevereiro de 1869, pela qual o Rei D. Luís lhe concede o exequátur (4), e a correspondência oficial das décadas de 1860 e 1870, conservadas no arquivo pessoal do seu bisneto, Cristiano Ferin, que também se encontra à guarda do Arquivo Regional de Ponta Delgada, por doação dos herdeiros. Esse exequátur faz igualmente parte da panóplia de documentos selecionados para este mês.
O Arquivo de Benjamin Ferin foi adquirido pela Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, em 1999, num leilão promovido por O Manuscrito Histórico – Livreiros, Antiquários, LDA. Este fundo documental testemunha, parcialmente, a trajetória e a atividade do seu proprietário, contendo essencialmente correspondência comercial e documentos de faturação, não obstante incluir alguma correspondência familiar. Não corresponderá, certamente, à totalidade do acervo documental produzido pelo comerciante belga, mas apenas a uma parte que os seus possuidores entenderam pôr à venda naquele leiloeiro.
(1) – A esta família Ferin, intimamente ligada à impressão e encadernação, pertencia, também, uma irmã, Maria Teresa Ferin (1808-1882), fundadora, com seu 2.º marido, Pierre Langlet, da Livraria Langlet, em Lisboa, em 1840, a qual sucedeu à Librairie Belge-Française, deste último.
Um outro dos vários irmãos, Augusto Ferin (1825-1890), passou, em 1852, a ser o responsável por essa livraria que se tornou na que, ainda hoje, é a Livraria Ferin (cf. https://restosdecoleccao.blogspot.com/2018/02/livraria-ferin.html [consultado em linha em 2021.09.24]).
(2) – Além disso, casara, a 18 de outubro de 1854, em São Pedro da mesma cidade, com D. Maria do Carmo Arnaud de Melo (1830-1908), tendo sido desobrigado nas três quaresmas anteriores, na Matriz de São Sebastião. Portanto, já aqui residia na quaresma de 1852, o que é, aliás, comprovado pela certidão de um batismo em que foi ele o padrinho, documento igualmente associado à rubrica deste mês.
(3) – Cf. https://www.infopedia.pt/$viagem-a-roda-da-parvonia [consultado em linha em 2021.09.27].
(4) – Exequátur é um documento que contém a “autorização concedida pelo governo de um país a um funcionário estrangeiro, normalmente um cônsul ou diplomata, para exercer as suas funções nesse país” (In https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/exequatur [consultado em linha em 2021.08.04]).
Legenda do documento do mês:
Fatura do Estabelecimento de Quinquilharias de Benjamin Ferin.
Ponta Delgada, 21 de abril de 1883.
BPARPD. Arquivo da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, capilha 116, doc. 49.
Panfleto da comédia satírica Viagem à roda da Parvónia.
Lisboa, [1879].
BPARPD. Arquivo Benjamin Ferin, cx. 2, doc. 302.
Requerimento de Benjamin Ferin, para certidão do batismo de Celio Oscar Olivier, filho de súbditos franceses, e a própria certidão.
Ponta Delgada, 24 de outubro de 1867.
BPARPD. Arquivo Cristiano Ferin, pt. 118.
Carta-patente concedendo a Benjamin Ferin o exequátur para exercer o cargo de vice-cônsul da nação belga na ilha de São Miguel.
[Lisboa], Palácio de Belém, 17 de fevereiro de 1869.
BPARPD. Arquivo Cristiano Ferin, pt. 101.