QUANDO O MAR GALGOU A TERRA
A PEÇA DE CÔRTES-RODRIGUES TRANSPOSTA PARA CINEMA
Armando Côrtes-Rodrigues (Vila Franca do Campo, 28 de fevereiro de 1891 – Ponta Delgada, 14 de outubro de 1971) exerceu uma longa e destacada carreira como professor dos liceus, mas notabilizou-se por ser, também, poeta, dramaturgo, ensaísta, cronista e um estudioso dos costumes e gentes açorianos. Desse interesse pela cultura popular resultaram os três volumes do Cancioneiro Geral dos Açores, dois do Adagiário, um do Romanceiro e textos de literatura oral, tradicional e popular por si recolhidos (1).
Entre os testemunhos que atestam o interesse pela cultura açoriana encontra-se a peça de teatro, da sua autoria, Quando o mar galgou a terra, adaptada ao cinema por Henrique Campos, em 1954, a quem Côrtes-Rodrigues, no discurso de homenagem ao cineasta, agradece, salientando que “não haverá nenhum micaelense, disperso pelos quatro cantos do mundo, que se não enterneça e se não comova ao ver pela 1.ª vez, a plena beleza da sua ilha decorrer no cinema, entre alguns dos seus usos, dos seus costumes e das suas tradições religiosas”.
No arquivo pessoal de Armando Côrtes-Rodrigues não se encontra o manuscrito original da peça de teatro que serviu de guião ao filme de Henrique Campos, apenas o discurso atrás referido, na belíssima caligrafia que caracteriza a sua escrita e que aqui é lembrado como prova da versatilidade do autor.
Aliás, são poucos os originais das obras do escritor açoriano que se encontram no seu arquivo, sendo apenas exceção os manuscritos de Cântico das Fontes e Em louvor da Humildade, o que não é inusitado nos arquivos. Estas ausências devem-se às vicissitudes por que os arquivos passam ao longo do tempo, que suscitam perdas involuntárias ou, por vezes, intencionais. No entanto, estes processos, no caso do fundo documental produzido e reunido por Côrtes-Rodrigues, não diminuem o enorme valor dos documentos salvaguardados, que revelam, por exemplo na correspondência, a multiplicidade de personalidades com quem se correspondia, entre as quais Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa, e que lembram a sua presença como poeta do Orpheu.
No seu todo, o arquivo pessoal de Armando Côrtes-Rodrigues é uma peça fundamental na construção dos reflexos de várias facetas da vida do seu produtor, que são recuperadas numa exposição a inaugurar brevemente na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, e mesmo as ausências, como a peça Quando o mar galgou a terra, não são necessariamente silêncios, como é prova a permanência de um pequeno discurso que lembra a sua existência e a satisfação do seu autor em a ver transformada em filme.
(1) – ALMEIDA, Anabela – Armando Côrtes-Rodrigues, o poeta que a ilha escondeu. [Disponível em linha: https://livrozilla.com/doc/1007785/armando-c%C3%B4rtes-rodrigues–o-poeta-que-a-ilha-escondeu]
Sobre a tese desta investigadora, que se tem dedicado apaixonadamente ao estudo de Côrtes-Rodrigues e da sua obra, veja-se, por exemplo:
Livro recorda Armando Côrtes-Rodrigues, o poeta esquecido de Orpheu. / Lusa. Diário de Notícias. Porto, 29 jun. 2019. [Disponível em linha: https://www.dn.pt/lusa/livro-recorda-armando-cortes-rodrigues-o-poeta-esquecido-de-orpheu-11059160.html]
Legenda do documento do mês:
Minuta de Armando Côrtes-Rodrigues, do texto para o discurso de homenagem ao cineasta Henrique Campos e elenco do filme “Quando o mar galgou a terra”.
[Ponta Delgada], 16 mai. 1954.
Destaca o desempenho de Mariana Villar, no papel de Aninhas.
BPARPD. Arquivo Armando Côrtes-Rodrigues, cx. 5, doc. 79.