Skip

Documento do mês

Príncipe Alberto do Mónaco e a paixão pelo mar dos Açores

 

A 26 de junho de 2022 assinalou-se o centenário da morte de Alberto I, Príncipe do Mónaco.

Alberto I nasce a 13 de novembro de 1848 e, como primogénito da casa Grimaldi, sucede a seu pai no governo do Principado do Mónaco em 1889. Para além da sua carreira como governante, notabiliza-se, sobretudo, pelo estudo da oceanografia, ciência emergente na época.

O interesse do herdeiro do Mónaco pelo mar manifesta-se desde muito cedo, tendo frequentado a academia naval espanhola, onde conclui o curso naval. De regresso ao Mónaco, depois de participar na armada francesa, durante o conflito franco-prussiano, adquire a sua primeira embarcação, Isabel II (1866), que substitui, em 1873, pela embarcação Hirondelle, uma belíssima escuna que o rei D. Carlos viria a recriar numa aguarela, não menos bela.

É nesta embarcação que têm início as expedições atlânticas do Príncipe do Mónaco, muitas delas ao mar dos Açores, que se torna palco de eleição das suas explorações. Das 28 campanhas realizadas, em quatro embarcações distintas (Hirondelle, Princesa Alice, Princesa Alice II e Hirondelle II), treze têm como destino os Açores, perfazendo cerca de 45% do total das expedições. Nestas campanhas, cujo objetivo primordial era o conhecimento dos mares e da vida marinha, sempre lideradas pelo Príncipe, participa uma extensa equipa composta por cientistas de reconhecido mérito.

Entre as inúmeras descobertas efetuadas, por essa equipa, encontra-se a da Fossa Hirondelle (1887), a mais funda dos Açores, com 3000 metros de profundidade, entre S. Miguel e a Terceira, e o Banco Princesa Alice (1896), entre o Pico e o Faial, ainda hoje um importante recurso piscatório, cuja descoberta foi divulgada, primeiro ao rei de Portugal, D. Carlos, e depois à imprensa. O interesse pelo mar e a tudo a que este dizia respeito, leva Alberto I a interessar-se também pela meteorologia, sobretudo pela importância estratégica dos Açores no fornecimento de informações para a previsão do tempo na Europa. Neste aspeto, em especial, vai encontrar no coronel Francisco Afonso Chaves um interlocutor privilegiado e o seu mais direto colaborador na comunidade científica açoriana.

Militar de carreira, é na ciência que Francisco Afonso Chaves encontra a sua verdadeira vocação. Interessando-se por todas as ciências naturais, desde a zoologia, botânica, paleontologia e, particularmente, pela meteorologia era, tal como Alberto I, um autodidata, sem formação académica. O primeiro contacto entre estes dois homens dá-se em 1887, altura em que Francisco Afonso Chaves, juntamente com Carlos Machado, visita o Hirondelle, o que Alberto do Mónaco regista no seu diário de viagem.

Depois deste encontro, a relação entre os dois desenvolve-se, numa primeira fase, através da correspondência de Francisco Afonso Chaves com muitos dos cientistas que participam nas campanhas de Alberto I, a qual se conserva no seu arquivo pessoal (1). É o caso de Georges Pouchet (oceanógrafo e anatomista), Henri E. Neuville (preparador do Museu Nacional de História Natural, de Paris), Paul Portier (biólogo e zoólogo marinho), Émile Bertrand (mineralogista) e, sobretudo, do barão Jules de Guerne, secretário particular e principal conselheiro científico do príncipe durante as primeiras campanhas oceanográficas, e Jules Richard, licenciado em física e ciências naturais, que viria a substituir de Guerne, como assistente pessoal e secretário de Alberto I do Mónaco. É através dos seus colaboradores que este vai tomando conhecimento do interesse científico do coronel Chaves, sempre disposto a participar na recolha de elementos da fauna terrestre e marinha açoriana, para serem estudados nos centros de produção científica.

De acordo com a documentação do Arquivo Francisco Afonso Chaves, é a partir da década de noventa que a relação do titular do arquivo com Alberto I se personaliza, através de uma troca epistolar significativa. São vários os assuntos referidos, sobretudo o desejo partilhado da criação de um serviço meteorológico internacional, muito mais ambicioso do que o que viria a nascer em 1901, com a criação do Serviço Meteorológico dos Açores, à frente do qual surge Francisco Afonso Chaves e para onde o Príncipe envia uma carta, em 1911, informando-o da sua intenção em visitar, nesse ano, os Açores no seu novo barco o Hirondelle II, maior do que o Princesa Alice II, e também mais veloz.

Efetivamente, Alberto I visita, em agosto de 1911, mais uma vez, o mar dos Açores, numa das cinco campanhas que realiza no Hirondelle II, cujas expedições têm um fim abrupto, com o início da Primeira Guerra Mundial. A partir de então, Alberto I dedicar-se-á à fundação que cria com o seu nome, ao Instituto Oceanográfico e a causas humanitárias, mas é provável que sentisse falta do entusiamo que confessara naquele ano, na sua programada visita a S. Miguel:

(2)

 

(1) – O Arquivo Francisco Afonso Chaves, composto por 4484 documentos, encontra-se em depósito no Arquivo Regional de Ponta Delgada e a descrição pode ser consultada em https://arquivos.azores.gov.pt/details?id=1354595.

(2) – (…) Avec quel plaisir je reverrai ces îles où j’ai tant travaillé déjà et pour lesquelles je professe un réel attachement (…)

Cf. Carta de Alberto I do Mónaco a Francisco Afonso Chaves. Paris, 4 jul. 1911 – BPARPD. Arquivo Francisco Afonso Chaves, cx. 1, doc. 115.

Nesta mesma carta, e a demonstrar a relação e consideração pessoal, Alberto I começa por manifestar o seu pesar pelo momento de luto, na família, lamentando, mesmo, não ter tido possibilidade de cumprimentar o genro do coronel Chaves (Francisco Cogumbreiro, que era cônsul do Mónaco em Ponta Delgada), na sua recente passagem por Paris. Refere-se, sabemo-lo, ao falecimento da neta, Maria Elvira de Chaves Cogumbreiro, com 8 anos, a 26 de março de 1911.

(…) J’ai partagé avec vous et les vôtres la peine q’un deuil cruel vous a causée; j’aurais voulu le dire à votre gendre; mais le seul jour qu’il a passé ici, je ne pouvais plus disposer d’un seul moment. (…)

 

Bibliografia consultada:

– CARPINE-LANCRE, Jacqueline – Le prince Albert 1er de Monaco. Centre Scientifique de Monaco, 2004 [em linha: https://www.oceano.org/wp-content/uploads/2020/05/Albert-Ier_J-Carpine-Lancre.pdf].

D. Carlos de Bragança. A paixão do mar. Lisboa: Parque Expo 98, Fundação da Casa de Bragança e Marinha Portuguesa, 1996.

– PORTEIRO, Filipe Mora – “A importância das campanhas oceanográficas do Príncipe Albert I do Mónaco para o conhecimento do mar dos Açores”, in Boletim do Núcleo da Horta, n.º 18 (2009), pp. 189-219 [em linha: https://www.nch.pt/biblioteca-virtual/bol-nch18/Boletim_2009-p179.pdf].

– TAVARES, Maria da Conceição Silva – Do Naturalismo às Ciências Modernas nos Açores. Ensaio biográfico de Francisco Afonso Chaves (1856 – 1926). Lisboa: Universidade de Lisboa, 2017. Tese de doutoramento [em linha: https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/35026/1/ulsd732231_td_Maria_Tavares.pdf ].