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Documento do mês

Traslado do alvará de Sua Alteza dos 10 mil réis e quatro moios de trigo que há de haver em cada ano o doutor Gaspar Frutuoso por pregar na igreja de Nossa Senhora da Estrela da Vila da Ribeira Grande.

Manuscritos Ernesto do Canto, Livro de Registo da Feitoria / Alfândega de Ponta Delgada, f. 317 – 317v. [ALFPDL n.º 1270]

 

No ano em que se comemora o V centenário do nascimento de Gaspar Frutuoso[1], é escolhido para documento deste mês o alvará da sua nomeação para pregador da Paróquia de Nossa Senhora da Estrela, Matriz da Ribeira Grande.

A naturalidade do cronista é comprovada pela ata de concessão do grau de bacharel pela Universidade de Salamanca, datada de 9 fevereiro de 1558 – (…) Gaspar Fructuoso Presbiter civitatis ponte delgada ex insula divi Michaelis Archangeli Regni Lusitanine (…) -, e pela carta de confirmação da vigararia da Matriz da Ribeira Grande, de 20 maio de 1565 – (…) o Doutor Gaspar Frutuoso clérigo de missa, natural da ilha de São Miguel (…).

Quanto ao nascimento, não há nenhum documento[2] que prove ter sido no ano de 1522.  Essa data é indicada pelos cronistas que se seguiram, nomeadamente, frei Agostinho de Mont’Alverne (1629 – 1726) [3] e padre António Cordeiro (1641 – 1722)[4].

O próprio Gaspar Frutuoso ao tratar das genealogias das famílias micaelenses, nunca à sua se refere, nem a si se menciona em toda a obra, exceto quando enumera os vigários da Matriz da Ribeira Grande.

Sobre a sua obra está patente uma mostra documental na entrada da Biblioteca Pública e Arquivo, intitulada <Em torno das Saudades da Terra>.

https://bparpd.azores.gov.pt/evento/mostra-documental-em-torno-das-saudades-da-terra/

 

O alvará de nomeação, emitido em Lisboa a 19 de junho de 1565, foi trasladado para o livro de Registo da Feitoria de Ponta Delgada em 24 novembro do mesmo ano, tendo sido posteriormente transcrito[5] e publicado[6] por Ernesto do Canto no <Arquivo dos Açores>.

<https://archive.org/details/archivodosaore10pont/page/488/mode/2up?view=theater>

 

Podemos entender o livro de registo como um copiador onde são trasladados, por uma autoridade pública – escrivão da Alfândega, escrivão da Câmara, tabelião, etc. -, os documentos importantes para efeito de prova de atos, factos ou acontecimentos. As certidões emanadas pelas entidades que detêm os livros de registo têm um valor idêntico ao original.

 

Este e outros livros da Alfândega e Feitoria de Ponta Delgada, num total de 1395, foram adquiridos por Ernesto do Canto, no verão de 1889, num leilão realizado em praça pública, tendo sido arrematados a 19 réis o quilo. Por disposição testamentária, foram legados à BPARPD juntamente com a sua biblioteca (monografias, jornais, material cartográfico e manuscritos diversos), constituindo o que é hoje designado por Fundo Ernesto do Canto, entregue a esta Instituição pela viúva e cabeça de casal no dia 30 de outubro de 1901.

Sem a intervenção do editor do Arquivo dos Açores, uma parte importante da história da ilha de São Miguel ficaria irremediavelmente perdida, como por exemplo, a documentada pelas séries Registo de entradas e saídas de embarcações (1633-1879), Livros de registo (1561-1607), Despesa (1620-1879), Receita (1620-1879), Registo de abertura de carga (1690-1870) e Livros da porta (1828-1880) pertencentes àquele arquivo.

Sobre esta arrematação são bem elucidativas as palavras irónicas de Guilherme Read Cabral[7], nas suas Memórias[8]: “De que serviam aquelas estantes cheias de livros carcomidos da traça e dos vermes? Sempre há de haver quem os compre a peso para embrulhar manteiga e outros géneros e, o seu produto dividido pelo pessoal na proporção dos vencimentos, é uma ajuda de custo. E venderam-se, deixando a parte arrematada pelo Dr. Ernesto do Canto 37.000 réis[9].

 

A feitoria é a instituição diretamente ligada à cobrança e arrecadação dos impostos, isto é, superintende na cobrança dos direitos reais ou no seu arrendamento, tendo igualmente a seu cargo o pagamento das quantias, moradias e demais mercês régias, bem como outras despesas públicas, assumindo todas as funções de recebimento e pagamento a nível local.

Com as reformas constitucionais opera-se uma transformação radical nos impostos do Estado, no seu lançamento e na sua cobrança. Em cada concelho é criada uma repartição do Estado com o nome genérico de Fazenda Pública.

A alfândega está diretamente relacionada com a arrecadação das dízimas de importação e exportação e com o controlo do tráfego marítimo.

Na prática, são duas instituições aglutinadas, com funções de cobrança dos “dízimos da terra”, dos dízimos da importação e exportação, pagamento dos funcionários régios e controlo do movimento comercial.

 

Inicialmente sediada em Vila Franca do Campo, a Alfândega é transferida para Ponta Delgada, por alvará de 12 de junho de 1518. Os moradores das vilas de Ponta Delgada e Ribeira Grande justificam a sua pretensão devido à produtividade de ambas as vilas e à facilidade de comunicação existente entre elas – zona mais plana da ilha de São Miguel.

Em 1555 já se encontrava construído o cais da alfândega, bem como o edifício onde esta instituição ficaria instalada até 1965[10]. Na 2ª metade do século XVI, é descrito (…) contos e alfândega de Ponta Delgada são 4 casas, por cima e por baixo [sic], vão, que partem do levante com calhau do mar, poente com o mol[he] do porto, sul com o mar, norte com as casas de Nuno Fernandes Meirinho. Uma nota de Ernesto do Canto refere que no último quartel do século XIX a configuração da alfândega ainda assim se mantinha (v. fotografia n.º 1).

Em 1965 é inaugurado o novo edifício da Alfândega, junto à Praça Vasco da Gama / Avenida Infante D. Henrique.

 

 

[1] V. Notícia biográfica do Dr. Gaspar Frutuoso, de Rodrigo Rodrigues, publicada inicialmente em “Livro III das Saudades da Terra”. Ponta Delgada: Junta Geral e Câmaras Municipais do Distrito, 1922, p. XI-LXXI.

[2] Refiro-me a documentos como o registo de batismo ou o processo de genere, vita et moribus da sua ordenação. Aliás, são muito raros os documentos institucionais anteriores à 2ª metade do século XVI.

[3] V. Da vida e morte do Doutor Gaspar Frutuoso. In Crónicas da Província de São João Evangelista das ilhas dos Açores. Ponta Delgada: Instituto Cultural, 1961. Vol. II, p. 299 – 300

[4] Do antigo e fiel historiador das Ilhas, o reverendo e venerável doutor Gaspar Frutuoso. In História Insulana. Lisboa: António Pedrozo Galrão, 1717. P. 40 – 46

[5] Cf. MEC, Extratos de documentos micaelenses, vol. V, p. 266-267.

[6] V. Arquivo dos Açores. Ponta Delgada: [Ernesto do Canto], 1888. Vol. X, 489 – 490.

[7] Nasceu em Portsmouth, em 1821 e faleceu em Ponta Delgada, a 18 de junho de 1897. Sobrinho do Cônsul inglês William Harding Read, foi nomeado Guarda-mor da Alfândega por Decreto de 13 de março de 1844, e mais tarde Diretor, por Decreto de 12 de abril de 1849, cargo que ocupou por largos e bons anos. Somente por mera curiosidade, Guilherme Read Cabral assina o termo de abertura de 345 livros., cerca de 1/5 da documentação agora tratada.

[8] Manuscrito atualmente na posse de um descendente de um irmão.

[9] Cf. Memórias de Guilherme Read Cabral (manuscrito), tomo 2º, fls. 50 e seguintes.

[10] Edifico reconstruído em 1778. Após 1965, Polícia de Segurança Pública, hoje Comando Regional dos Açores da PSP.